Recentemente, li um artigo contundente do Dr. J. Pete Blair, publicado em seu Substack Tactical Science, intitulado “This is an 8-Foot Knife Attack. You Have No Time”. Para quem ainda não conhece, Blair é uma das vozes mais respeitadas no nosso meio — reconhecido por suas contribuições empíricas sobre eventos com atiradores ativos e doutrinas de treinamento policial. Quando Blair fala sobre violência em curta distância, todos nós deveríamos prestar atenção.No artigo, Blair destaca o trabalho de Michael Kantor e seus colegas, publicado recentemente em uma revista científica revisada por pares, The Police Journal.
O estudo aborda um tema que muitos instrutores já conhecem de forma intuitiva, mas que raramente havia sido quantificado: com que rapidez um ataque com faca escondida pode ser lançado a partir de 2,5 metros de distância? E, mais importante ainda: quanto tempo um defensor realmente tem para reagir?Kantor et al. (2025) analisaram a duração de três tipos diferentes de golpes com faca — estocada (thrust), golpe por cima (overhead) e corte horizontal (horizontal slash) — todos iniciados a partir de uma posição de ocultação e de uma distância de 8 pés (cerca de 2,5 metros). Setenta e quatro participantes, com idades entre 19 e 64 anos, realizaram os ataques usando facas de treinamento de borracha. Cada movimento foi registrado em vídeo e analisado quadro a quadro.

Os resultados são alarmantes. O tempo médio para o agressor atingir o alvo foi de 1,43 segundos para a estocada, 1,55 segundos para o corte horizontal, e 1,60 segundos para o golpe por cima. O ataque mais rápido registrado — uma estocada feita por um homem jovem — foi concluído em apenas 1,04 segundos. Em outras palavras, um ataque letal pode ser lançado e concluído em menos tempo do que um piscar de olhos.Esses dados ganham ainda mais peso quando lembramos que o tempo médio necessário para um policial sacar e disparar sua arma varia entre 0,87 e 2,05 segundos, segundo estudos anteriores citados pelos autores. Quando se adiciona a resposta instintiva de susto — comum em ataques inesperados — esse tempo pode aumentar em mais 0,4 a 0,8 segundos. Isso significa que um ataque com faca oculta, iniciado a curta distância, pode ser praticamente impossível de interromper com uma resposta convencional de arma de fogo.
O estudo também avaliou como idade e sexo influenciaram o desempenho dos ataques. Curiosamente, a idade não teve impacto estatisticamente significativo nos tempos de ataque, embora os participantes mais jovens tenham sido ligeiramente mais rápidos. Por outro lado, os homens foram significativamente mais rápidos do que as mulheres em todos os tipos de ataques. Essa diferença está provavelmente relacionada à maior força e velocidade muscular média entre os homens, algo já bem documentado na literatura científica.Outro ponto relevante foi a variação na forma de ocultação e na apresentação da faca. Os participantes podiam escolher onde esconder a arma — na cintura, bolso, quadril, etc. — tornando o teste mais realista. Em geral, a faca só se tornava visível a cerca de 60 a 90 cm do alvo, reforçando o risco envolvido em interações a curta distância com indivíduos potencialmente hostis.
O estudo desafia também a tradicional “regra dos 21 pés”, introduzida por Dennis Tueller em 1983. Essa regra, ainda base para muito do treinamento policial moderno, estabelece que um agressor pode percorrer 21 pés (cerca de 6,5 metros) e golpear o alvo antes que um policial consiga reagir com disparos. Mas até então, os estudos assumiam que a faca já estava visível na mão do agressor. O trabalho de Kantor mostra que um ataque com faca oculta a apenas 8 pés pode ser ainda mais perigoso, justamente por eliminar qualquer tempo de alerta prévio.Sob a ótica do treinamento, esses resultados reforçam a necessidade de respostas defensivas dentro de janelas de tempo extremamente curtas. Isso inclui táticas de grosso motor, retenção de arma no corpo a corpo, movimentação, criação de distância e posicionamento estratégico em interações de risco.Além disso, é fundamental ir além do treinamento técnico com armas de fogo.
A resposta tática precisa ser combinada com consciência situacional, domínio da distância interpessoal e leitura de sinais pré-ataque. Se o defensor perceber a ameaça só quando o agressor se move, pode já ser tarde demais.Para civis armados, profissionais de segurança privada e contratados militares, os achados também são vitais. Muitos ataques com faca ocorrem em contextos como brigas domésticas, assaltos ou agressões espontâneas — todos cenários onde o agressor já está muito próximo e a faca permanece oculta. O treinamento precisa refletir essa realidade — não cenas de cinema nem simulações irreais de sala de aula.Embora o estudo tenha sido conduzido em ambiente controlado, com iluminação adequada e alvos estacionários, ele representa um marco por fornecer o primeiro conjunto de dados sobre ataques de faca escondida a 2,5 metros, considerando idade e sexo dos agressores.
Variáveis reais como iluminação precária, obstáculos, e reações do defensor podem alterar esses tempos — mas nunca no sentido de tornar o cenário menos perigoso.Diante disso, futuras pesquisas devem incluir fatores emocionais, múltiplos agressores, armas diferentes e obstáculos ambientais. Ainda assim, a mensagem prática é clara: o tempo de reação em situações reais é mínimo — e em muitos casos, insuficiente.
Treinar para reconhecer sinais, reagir com movimento e agir com decisão é a única forma de garantir sobrevivência a curta distância. Na ABA Intl, assumimos o compromisso com a realidade no treinamento para combate armado. Isso implica questionar dogmas, testar hipóteses e usar dados — mesmo quando eles desafiam confortos e rotinas. O estudo de Kantor oferece uma base científica para o que muitos já sabiam na prática: a ameaça começa antes de você perceber — e termina rápido demais para hesitar.
Referência (formato APA):
Kantor, M. A., Bleetman, A., Tenbrink, J., & Garg, H. (2025). Close-quarter concealed knife attacks: How much time do you have? The Police Journal: Theory, Practice and Principles, 0(0), 1–20. https://doi.org/10.1177/0032258X251340171